Desabafo

           É madrugada. A brisa fria do outono toca seu rosto e traz lembranças de um passado feliz. Olha pela janela e a claridade noturna ilumina as lembranças. Por um momento sente-se vazia... Queria preencher os espaços, as lacunas, os labirintos. E num momento de lucidez, sente que sua vida estava se tornando uma via de mão única. Sentia-se sufocada. Queria gritar, esperniar, fazer malcriação e chorar. Queria limpar a alma, desabafar. Queria ser a criança que um dia fora. Queria afago, carinho, abraço. Queria uma voz a dizer-lhe que tudo ia ficar bem. Queria proteção. Proteger-se de si mesma e dos fantasmas que a assombrava. Queria sentir-se em paz no mundo que ela criara. Aquele mundo que ela recorria nos dias confusos estava conturbado demais. Ligou a TV, mas a pessoa do outro lado da tela era fria demais e ela ansiava por calor. Queria ser, pertencer, doação, entrega. Queria olhares cúmplices, mãos que indicassem um caminho. Queria aninhar-se num abraço. Mas não num abraço qualquer. E riu de suas exigências. Mais uma vez olhou a janela, sentiu a madrugada e seu silêncio. Então chegou a chuva e arrastou na torrente uma lágrima de saudade.

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As vezes uma brisa, as vezes um livro, as vezes uma música, as vezes um sorriso, as vezes uma lágrima, as vezes tudo, as vezes nada e sempre uma contradição.