Gotas de saudade


Nove da manhã do dia 24 de dezembro. Ela acordou com mil pensamentos e tarefas a executar. Sua mãe viria passar o natal em sua casa e ela queria que pelo menos naquele dia, as duas não brigassem. Saiu às compras e ao chegar, pôs-se a arrumar tudo. A ceia não seria em casa, seria na residência de um amigo, já que uma ceia apenas com duas pessoas não seria tão feliz assim. Olhou para sua casa, percebeu que ela merecia uma limpeza e passou a organiza-la. Queria junto com aquela arrumação, colocar também sua vida em ordem, limpar os cantos sujos da alma e desinfetar o coração ora repleto de manchas de tristeza. Era assim que ela ficava no natal: triste, chorosa, saudosa. Uma mistura de perdas, desilusões e solidão. Procurou seu CD de boleros na estante. Queria ouvir aquela música, porém não o encontrara e colocou um outro que também trazia em suas melodias muitas recordações. Começou a faxina e enjoada das músicas chorosas, trocou o repertório. Num átimo de nostalgia, pegou o rodo e imaginou que ele fosse seu amado e começou a dançar. De forma robótica varreu a casa, tirou o pó dos móveis, encerou a casa, suou, cansou. Mas algo nela não chegava a exaustão. Ela queria mais. Contudo não havia nada mais a fazer. A casa estava impecavelmente limpa. Então ela lembrou de sua alma que estava desordenada, cheia de traças a roer seus pensamentos. Trocou mais uma vez o repertório e suas lágrimas começaram a fazer um serviço intenso de limpeza. Começou a cantarolar uma letra que falava em fios que uniam e separavam, porém uma estrofe chamou sua atenção:


"Só por você eu dei até o que eu não tive
Há tantos que vivem, sem viver um grande amor
Eu que sonhei por tanto tempo em ser livre
Me prenda em seus braços
É o que eu te peço"


Ela havia sonhado a vida inteira com sua liberdade e agora queria prender-se naqueles braços, permanecer aninhada, protegida, mimada. Pegou o telefone e discou um número que não estava na agenda telefônica e conversou com um alguém do outro lado da linha. Não sabia porque havia ligado, mas queria ouvir aquela voz. Falou coisas sem importância, riu e encerrou a chamada. Ouviu repetidamente aquela música, calou os gritos contidos dentro de si, entrou no banheiro, tirou sua roupa de forma lenta, abriu o chuveiro e mergulhou naquela saudade sem fim.

Retalhos da noite


Olhou o relógio. Faltava pouco para meia noite. Havia passado o dia com pensamentos obscuros, tristes, melancólicos. Sua alma estava repleta de vazios. Passou a pensar na vida, no passado, nas oportunidades que deixara para trás, nas incertezas do futuro e refletiu... Não sabia mais o que fazer de sua vida, ora tão monótona, sem cor, sem graça. Esperava a felicidade bater a sua porta, mas esta, nunca dava o ar de sua graça. Ligou um aparelho e começou a ver um filme triste. Chorou imaginado ser a atriz principal que morria depois de conhecer seu verdadeiro amor. Olhou a agenda telefônica e na lista tão extensa não havia um só número que ela podesse pedir socorro e sentiu-se ainda mais solitária. Queria chorar, gritar, mas conteve suas emoções e as derramou em duas gotas que escorriam sorrateiras por sua face. Cantarolou uma música do passado e este, se fez presente. Na impaciência que a tomava, se pôs a escrever palavras desconexas, como a querer exorcizar, em vão, os sentimentos que a dominavam. Por um momento olhou-se no espelho. Não reconhecia a imagem refletida. Aquela que via, não era ela, mas não sabia o que fazer para transformá-la na menina de outrora. Cansou-se de si e num lampejo de razão, acertou seus pensamentos, apagou as luzes, deitou-se em seu leito, cerrou os olhos e adormeceu.

O real sentido das coisas

Quando fazia terapia (porque todo mundo tem um pouco de médico e louco), a psicóloga que ouvia os conflitos de minha alma, me presenteou com um livro e confesso que não dei tanta importância. O título era lindo, sugestivo e li sem prestar muita atenção ao conteúdo.
Ontem a tarde, em mais um domingo com a TV me fazendo companhia, peguei o livro que já estava meio jogado e li um capítulo qualquer. Embora o capítulo tenha sido escolhido a esmo, creio que não se tratava de qualquer assunto pois versava sobre a saúde, o amor e a família.
Ao ler cada linha escrita com fortes cargas de reflexão, me vi ou melhor, deixei de me ver em muitos pontos. Na relação pais e filhos, há componentes que a biologia não consegue atingir. O componente subjetivo das relações humanas que fazem da família a célula mater da sociedade é o amor. Não falo o amor pieguismo, sentimentalista, mas o amor companheiro, disciplinador, claro e plácido que norteia a vida das pessoas felizes.
Em um dos trechos, o autor comentava a relevância da figura masculina na educação dos filhos e a importância dessa figura em atos carinhosos como abraçar, beijar, afagar, conversar com seus filhos, conhecendo-os na intimidade da alma. No meio da leitura as lágrimas teimaram em cair e eu não compreendia muito bem a minha atitude.
Passei a me fazer inúmeras perguntas e cheguei a conclusão de que não é o fato de ser filha de pais separados que me incomoda. O que dói mesmo, é saber que meu pai só foi paternal comigo enquanto eu era uma criança, como se adultos não precisassem dos carinhos paternos. No momento em que lia, acabei recordando de dois amigos meus que apesar de não conviverem com seus filhos sob o mesmo teto, são presentes na vida deles.
Não aguentei mais aquela leitura que me maltratava e ao mesmo tempo me dizia tantas verdades. Fechei o livro, apaguei as luzes de casa e desejei ouvir uma voz paternal e não precisava ser a do meu pai, mas que fosse algo amoroso e acalentador.
Adormeci e acordei ainda com vontade de ouvir tal voz
Acho que amanhã ainda vou querer ouvir essa voz
Penso que todos os dias, gostaria de ouvia essa amorosa voz.






*O livro ao qual me referi nesse post, se intitula: Quem ama não adoece, escrito pelo cardiologista Dr. Marco Aurélio Dias da Silva.

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As vezes uma brisa, as vezes um livro, as vezes uma música, as vezes um sorriso, as vezes uma lágrima, as vezes tudo, as vezes nada e sempre uma contradição.