Arruma -ação

Arrumar o guarda-roupas, além de ser uma atividade essencial para manter sua integridade física (evitando que os guardados não desmoronem em cima de você e te matem asfixiada), também representa, no sentido figurado, colocar em ordem o que está desordenado dentro do seu íntimo. Limpar gavetas, dobrar peças de roupas, separar aquilo que não é mais usado e enviar para doação, não são apenas atividades comuns, mas um ritual que se deve fazer periodicamente, para a constante renovação do espírito.
Ao abrir meu guarda-roupas, vi quão bagunçada estava minha vida. As coisas estavam em lados trocados, como se eu tivesse mudado de valores, numa inversão assustadora. Aquela muralha de tecidos torcidos e empilhados eram o meu retrato falado. Nesse caso, meu retrato tecido. Quando vi aquele amontoado de roupas, comecei a separá-las e ao mesmo tempo, separei de mim aquilo que não me fazia bem. De um lado, coloquei todas as qualidades que possuía e disse a mim mesma: Essas, vão para a parte nobre do armário. Olhei para os defeitos e quis descartá-los. Mas eu não saberia viver sem eles, porque daí eu seria perfeita e bem... As pessoas perfeitas acabam sendo chatas. E os recoloquei ali num cantinho afastado. Queria tê-los comigo, mas afastei o máximo para que eles não se apoderassem de mim. Observei que tinha um tanto de erros que eu deveria jogar fora ou fazer pano de chão. Mas esses, eu usei para aprender. Como um desses anti-virús que nos dá o alerta quando o computador está infectado, sabe? Tinha uma parte muito difícil da arrumação que eu tinha a obrigação de colocar em ordem: As pessoas e os valores. Coloquei para perto e em lugares extremamente nobres, todos aqueles que de uma forma ou de outra, me fazem bem. Arrumei um cantinho especial para cada um e joguei fora aqueles que me frustravam, duvidavam ou que simplesmente, não eram bem vindos. Já os valores... esses eu coloquei no centro do armário, a parte que eu mais vejo e os coloquei em seu devido lugar: De cabeça para cima, para que nunca, em nenhum momento, eu possa invertê-los. Quis separar algumas coisas para doação. E fui feliz nesse aspecto. Separei amor, paz, brilho nos olhos, sorriso no rosto, lealdade, amizade e solidariedade. Os coloquei em caixas gigantes para doá-los aos que me rodeia. Olhei mais atentamente e vi o passado. Este que de quando em vez, insistia em sorrir pra mim e dizer "vem cá, vamos viver de lembranças?" E quantas vezes eu ia na dele e ficava me remoendo pelo que não foi, não vivi, não deu certo? Esse, com um prazer quase metafísico, joguei no lixo e o deixei lá junto de outras quinquilharias que com certeza, não iam me fazer falta. Peguei as reflexões e coloquei num frasco de perfume para que eu as usasse sempre. Guardei minha transparência dentro de um super pote inesgotável de hidratante e enchi gavetas de luz, carinho, mão amiga e fé. Porque esta última não pode faltar nunca. Ao retirar o pó das coisas velhas e olhar o armário com tudo em seu devido lugar, vi que uma porta que não existia ali, apareceu como num toque de mágica. Era a porta das oportunidades, a porta da nova chance, que se abriu no exato momento em que me dei conta de que da mesma forma que arrumamos nosso armário dando o destino correto a todos os pertences, é preciso arrumar a vida, nossa casa interior. Porque a felicidade aparece, está aí para todos deliciarem-se com ela. Porém para ela ser plena, necessário é que façamos escolhas certas e para minha felicidade, eu já fiz as minhas.  

Desabafo

           É madrugada. A brisa fria do outono toca seu rosto e traz lembranças de um passado feliz. Olha pela janela e a claridade noturna ilumina as lembranças. Por um momento sente-se vazia... Queria preencher os espaços, as lacunas, os labirintos. E num momento de lucidez, sente que sua vida estava se tornando uma via de mão única. Sentia-se sufocada. Queria gritar, esperniar, fazer malcriação e chorar. Queria limpar a alma, desabafar. Queria ser a criança que um dia fora. Queria afago, carinho, abraço. Queria uma voz a dizer-lhe que tudo ia ficar bem. Queria proteção. Proteger-se de si mesma e dos fantasmas que a assombrava. Queria sentir-se em paz no mundo que ela criara. Aquele mundo que ela recorria nos dias confusos estava conturbado demais. Ligou a TV, mas a pessoa do outro lado da tela era fria demais e ela ansiava por calor. Queria ser, pertencer, doação, entrega. Queria olhares cúmplices, mãos que indicassem um caminho. Queria aninhar-se num abraço. Mas não num abraço qualquer. E riu de suas exigências. Mais uma vez olhou a janela, sentiu a madrugada e seu silêncio. Então chegou a chuva e arrastou na torrente uma lágrima de saudade.

Quem sou eu

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As vezes uma brisa, as vezes um livro, as vezes uma música, as vezes um sorriso, as vezes uma lágrima, as vezes tudo, as vezes nada e sempre uma contradição.