Pré tensão



Eu quis afogar as mágoas



E para minha surpresa,



Elas aprenderam a nadar.

Companheirismo

- Você mora sozinha?


- Sim, moro.

- Há quanto tempo?

- Vixe, faz mais de cinco anos.

- E você gosta da solidão?


- Na verdade, eu a detesto. Já quis despacha-la para longe, já dei veneno, coloquei-a dentro de uma mala, quando alguém partiu. Mas não sei porque cargas d'agua ela insiste em ficar. Ainda não me acostumei com ela, porém ela persiste em me fazer companhia.

Ausências




É noite. Chega em casa rendida pelo cansaço. Em vão, abre a geladeira na esperança de iluminar seus pensamentos diante da luz do refrigerador, mas consegue apenas engolir em seco a solidão que lhe rasga a garganta.
Abre a janela que dá para o pequeno quintal de casa e percebe como a noite está linda. A lua, cheia de saudades, testemunha as ausências sentidas. As fogueiras, características do período junino, não conseguem aquecer a alma, tão carente dos sorrisos, dos olhares, dos abraços...
Entra no banheiro, tira a roupa devagar, divagando em seus sentimentos. Demora-se debaixo da água fria como a querer espantar os pensamentos que a atormentam. Veste uma roupa confortável de algodão, perfuma-se delicadamente e cai na cama, como a esperar um alguém...
Ela queria perder-se naqueles braços, encontrar-se naquele olhar, guiar-se por entre aquelas mãos, beber daquela boca, proteger-se naquele abraço, dormir naquele corpo e acordar no sonho que deseja para realidade.
Mas apenas consegue sentir saudades e uma ponta de esperança junta-se as suas dúvidas cruéis, deixando-a confusa. Olha o relógio do telefone celular, que espera ansiosamente pelo toque característico e só ouve o silêncio cortante a falar mais alto.
Rende-se. Fecha os olhos. Adormece.

Lembranças que a chuva traz



A chuva celebra a dança das águas,


Caindo gota a gota de um céu cinzento.


Entendendo o cio da terra,


Percorre suas entranhas,


Fertiliza as sementes profundas da vida


E colore com mil tons o advento da próxima estação.


O som de sua chegada é música para o agricultor.


O cheiro que da terra brota


Quando ela lhe entremeia seu seio,


É recordação, infância, aconchego.


Mas sempre que chove


Há uma saudade que me acolhe


Numa nuvem quase inventada


Repleta de sonhos não realizados.


Calados,


Represados,


Sentenciados...


A chuva traz consigo


Uma torrente de lembranças


E saudades...


Umedecendo o olhar


Marejando-o de incontáveis ais.

O apagar das luzes



A vivência acadêmica na área de saúde nos mostra a fragilidade do ser humano. A linha entre sanidade e loucura, vida e morte, lucidez e desorientação é extremamente tênue. A Fisioterapia tem em seu cronograma de estágio, a participação na comunidade. E é exatamente nela, que percebemos a falta de políticas públicas (que só esse tema dá um post inteiro) e enxergamos o quanto somos vulneráveis. Tenho uma paciente idosa de 73 anos de idade. Foi acometida pela Demência de Alzheimer há exatamente treze anos. Ao avaliá-la, percebi que sua mente falha, a deixa uma verdadeira criança. As vezes agressiva, outras vezes sorridente, é a genuína expressão da fraqueza humana. Seu olhar se perde em atitudes impensadas, sua língua, já não articula bem as palavras, sua alma parece está em um planeta distante, que pertence só e exclusivamente a ela, sua memória, já não recorda mais de si e assim, ela mesma já não sabe quem é. Nesses casos, o treino cognitivo (despertar o aprendizado) faz parte da rotina do tratamento desses pacientes. Hoje, "brincamos" de contar e reconhecer as cores. Sua fala desarticulada, contou apenas de um a dez e chegou ao número quinze depois de pular tantos outros. No reconhecimento das cores, ora acertava, ora errava e encerrava a conversa afirmando: "não sei mais não minha doutora". A família se perde sem respostas e sofre em vê um ente tão querido alheio a tudo o que se passa. Há uma desesperança no ar e sentimos que ela, a família, já não quer tentar mais nada porque sabe que a doença não tem cura e é progressiva. Nossa função ao lado desses pacientes, é retardar essa progressão o quanto possível e ofertar qualidade de vida a essas pessoas. Porém, o cérebro funciona como uma cidade iluminada. As correntes elétricas fazem os neurônios acenderem todas as lâmpadas existentes. Mas existe um homem chamado Alzheimer que lenta e infatigavelmente, apaga lâmpada por lâmpada, deixando cada esquina, cada ponto desta cidade sem luz e assim, ao final, a cidade está inteiramente às escuras. Sem história, sem lembranças, sem vida.

O sabor da realidade

Sempre morei no interior do Estado, porém com a oportunidade de estudar na capital, indo e vindo todos os dias. Por conta do estágio da faculdade, tive que optar em morar em Maceió para que eu podesse me dedicar de forma integral a essa etapa da vida acadêmica. Para mim, não há capital mais linda e como sou uma alagoana bairrista, tenho absoluta certeza de que Deus reservou o melhor do paraíso para os alagoanos. Mas além das belezas, do acesso mais rápido a cultura e das facilidades que os grandes centros urbanos oferecem, esses mesmos lugares fazem de nós lixos humanos.
Estava no calçadão do comércio com uma amiga, quando fui abordada por um garoto de mais ou menos 16 anos. Mal vestido, sujo, despenteado, era a personificação da desesperança. Me cutucou do lado e quando o vi tomei um susto. Ele perguntou: "Moça, a senhora tem um dinheiro para eu lanchar?" Sentindo o medo me invadir, disse que não tinha e ele com a dura experiência da vida margeada pelo preconceito, levantou a que deveria ser sua única camisa e falou: "Não precisa se assustar não, moça. Eu não vou lhe roubar, só estou com fome". Engoli sem mastigar aquela afirmação que encheu de amargor o meu paladar. Voltei pra casa, tomei banho e fui para a aula. Antes, passei em um supermercado e comprei 2 garrafinhas de iogurte, abri uma e fui bebendo pelo caminho. Passei por um lugar meio deserto e lá estava um casal sentado na calçada guardando seus únicos pertences em uma sacola plástica. Quando estava dando o último gole, meus olhos se encontraram com o olhar daquele homem sedento por dignidade e pela primeira vez, tive vergonha de ter algo para comer. Ele não dissera coisa alguma, porém seu olhar era uma súplica. Abri a sacola, retirei a outra garrafinha e dei aquele homem que humildemente sorridente, agradeceu.
Depois que saí da aula, já a noite, fui respirar um pouco de ar e encontrei o "baiano". Na verdade, ele me encontrou. Cheio de alegria e vazio de oportunidades, era o retrato do trabalhador que mesmo frustrado, carregava um fio de esperança em seu olhar. Ofereceu-me seus produtos em troca de três reais. Brincos de arame, pulseiras de barbante. Segundo ele vivia de arte e cultura. Perguntei sobre sua família, seus filhos, sua vida e a cada palavra dita, o cheiro da bebida ficava mais forte. "Moça, eu vim da Bahía, deixei 3 filhos que estudam e são cuidados por minha mãe. Sei pintar, construir, mas gosto de viver de arte e cultura, andando pelo mundo". Perguntei porque ele bebia e com seu sotaque característico, abriu um sorriso e argumentou: "Eu bebo, para esquentar meu corpo porque dormir na beira da praia não é fácil. Faz muito frio. A gente nem dorme direito, porque se dormir, um outro vem e rouba nossa mercadoria. Eu estou na rua, mas vivo com dignidade e preciso garantir meu café de amanhã". Muito mais com peso de consciência do que vontade de comprar, escolhi uma de suas peças e ele se foi.
Ontem pela manhã quando ia em direção ao curso que estava fazendo, encontrei outro homem deitado na rua ainda adormecido. Sujo, encolhido, com as mãos dentro de sua camisa porque a roupa do corpo era a única coisa que tinha para se aquecer. Olhei para minha vida, para as oportunidades que tive e senti vergonha. Vergonha por ter tanto e aquele ser tão humano quanto eu, não ter um teto para se abrigar.
Maceió é carinhosamente chamada de Cidade Sorriso, mas diante de situações tão gritantes, percebi que este, encontra-se pra lá de sem graça.

Nunca é tarde para compreender o amor

"É um bom tipo meu velho
Que anda só e carregando
Sua tristeza infinita
De tanto seguir andando..."
(Altemar Dutra)



A psicologia trata a relação entre filhos e pais, com um toque de mitologia grega, falando nas relações edipianas. O menino, "apaixona-se" pela mãe querendo em sua ingenuidade infantil, ser seu protetor, e a menina, "enamora-se" do pai e sente deste, um ciúme tão desmedido para sua idade, que chega a ser engraçado.
Não aconteceu diferente comigo. Quando eu era pequena, e já comentei aqui no blog, tinha um amor desmedido por meu pai. Ele era meu herói, o MacGyver (para quem nasceu depois dos anos 80, perdeu um seriado fantástico), o homem mais lindo da galáxia. Bem, lindo ele continua sendo, mas ao crescer, nos damos conta que pai e mãe, não são super, eles são tão humanos quanto nós, com erros e acertos.
Na época da separação dos meus pais, eu tinha 13 anos e me achava a pessoa mais adulta do planeta. "Compreendi" com uma mente adolescente, uma situação que me marcou para o resto da vida. Na época, meu pai começou a não me visitar, não perguntar, não se interessar por mim e eu achei que ele havia se divorciado de mim também. Acabamos nos divorciando em comum acordo, com separação total de confidências, abraços, sorrisos, visitas, preocupações, olhares, paternidade... A adolescência foi embora, a fase adulta chegou e carreguei comigo por todo esse tempo, uma dor surda, muda, porém cortante.
Lembro que quando ia visitá-lo no natal, e levava alguma lembrancinha, ele marejava os olhos e eu não entendia o porque, pois para mim, ele havia pedido desquite de nossa relação.
Hoje, ao vê-lo, sinto a mesma emoção de quando era apenas uma criança. Compreendi situações imcompreendidas, perdoei coisas imperdoáveis, e me senti mais leve.
Exatamente hoje, dia 28 de janeiro, ele completa 61 anos. O tempo, como o pintor da vida, prateou seus cabelos, tingiu seus olhos com emoção, salpicou paciência em sua alma, desacelerou seu caminhar.
Ao entregar seu presente de aniversário, ele mais uma vez, carregou de emoção o seu olhar. Me abraçou como antes e feliz da vida, parecendo mais um menino amarelo, disse: "Já viu o carro novo do seu pai?" Eu nem sei o que senti na hora. Não me importava o carro, mas o compartilhar da felicidade. O abracei e desta vez, as lágrimas derramadas vieram de minha alma. O tempo fez muitos milagres silenciosos e dentre estes, a certeza de que nunca é tarde para compreender o amor.

Quem sou eu

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As vezes uma brisa, as vezes um livro, as vezes uma música, as vezes um sorriso, as vezes uma lágrima, as vezes tudo, as vezes nada e sempre uma contradição.