O milagre de renascer




Sempre que o assunto é meu nascimento, minha mãe conta que eu sou produto de um milagre. Ela tem tem sangue B negativo e eu, B positivo, o que gera muitas incompatibilidades entre mãe e feto. O sangue da mãe entra e contato com o sangue do bebê produzindo anticorpos contra a criança, produzindo no feto um caso chamado de eristoblastose fetal que causa problemas neurológicos graves, como a paralisia cerebral e pode até ser fatal.
Na época, minha cidade não tinha um hospital que atendesse as necessidades do meu nascimento e minha mãe foi encaminhada para Penedo para poder ter um parto tranquilo.
A questão, é que nasci muito fraca, miudinha, ictérica e tive que receber trasnfusões sanguíneas, além de ficar por 21 dias em uma incubadora.
Quando o quadro ficou estável e segundo os médicos, já não havia perigo de morte, fui encaminhada para casa. Porém, sou a terceira de cinco filhos que não conseguiram sobreviver e depois da quinta tentativa de me dar um irmão, minha mãe foi aconselhada a não ter mais filhos e segundo ela, o médico que a operou disse na sala de cirurgia: "Essa mulher tem uma filha que não sei como está viva". Passado o período do nascimento, o primeiro ano de vida também foi repleto de cuidados, porém sobrevivi.
Tive uma infância rica em brincadeiras e como filha única, tinha tudo o que uma criança dentro das minhas condições sociais poderia ter. Porém, como o renascimento se faz de inúmeras formas, quando meus pais se separaram e a empresa que eles haviam construído juntos faliu, passei fome e aos 13 anos, fui trabalhar para garantir o sustento. Busquei vida dentro de mim e segui em frente tentando não ser atropelada por uma situação tão forte para uma adolescente.
Aos 16 anos, eu trabalhava na UTI de um hospital como auxiliar de enfermagem e com meio salário mínimo, que na época estava no valor de R$ 60 reais, sustentava a casa. Minha mãe, também precisou renascer e como Phoenix, recomeçou sua vida das cinzas deixadas por um casamento infeliz.
A minha paixão pela medicina teve que ser engolida e já em outro emprego, ganhei um curso de radialismo onde me formei e atuo na área até hoje. Mas mesmo assim, eu sabia que iria trabalhar na saúde, porque eu nasci foi para cuidar de pessoas e persegui o sonho até ser acadêmica de fisioterapia.
Porém milagre e renascimento me acompanham desde sempre. Estes dias, ao fazer exames na tireóide, foi descoberto um nódulo que poderia ser canceroso. Eu já não tinha porque apelar para Deus, já que ele havia me concedido o direito de nascer e diante das circunstâncias deste nascimento, ter um corpo e mente sãos.
E de tanto pensar no caso de provavelmente ter um câncer, liguei para um médico amigo, que funcionou muito mais como amigo, do que como médico. Ele acalmou o cabeção que estava a ponto de pirar. Conversei com minha professora, desabafei com alguns amigos, só não falei pra minha mãe, porque eu achava que a carga era pesada demais para ela.
Chegou o dia de fazer a biópsia para a investigação do nódulo e dois dias depois, fui buscar o resultado. Quando aquele papel grampeado estava em minhas mãos, quase caí de medo e ansiedade. Eu ficava falando comigo mesma: "Eu abro ou não abro? Ai eu tô com medo". Porém uma outra parte de mim ficava a me censurar: "Débora você é uma mulher ou um bago de jaca?" Confesso que estava muito mais para o bago de jaca, mas eu precisava saber o que eu tinha e na faculdade, me isolei em uma sala e sozinha, abri o exame. Resultado para câncer NEGATIVO. Naquele momento eu compreendi literalmente o que é milagre e o que é renascer. E se formos analisar um parto, a coisa é bem parecida: A mãe sente contrações dolorosas, tem medo, chora, os amigos ficam por perto e no momento crucial do nascimento, alguém quer seja médico ou parteira, está lá amparando a cabeça da criança para que ela não despenque da mesa de parto.
E foi exatemente o que eu senti: A dor e ansiedade da dúvida em relação ao diagnóstico, o amparo dos amigos que foram as pessoas especiais que ampararam minha cabeça para que eu não despencasse.
E comovida com as provas de carinho, digo que não há sensação mais maravilhosa que o milagre do renascimento.




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As vezes uma brisa, as vezes um livro, as vezes uma música, as vezes um sorriso, as vezes uma lágrima, as vezes tudo, as vezes nada e sempre uma contradição.