Abandono


Nos discursos políticos, nas lutas sociais, sempre ouvimos falar em menores abandonados. Seja para o granjeio de votos ou causas justas, as crianças abandonadas por suas famílias são alvo de estudo, matérias jornalistas e debates entre poder público e sociedade civil onde se tenta resolver um problema crônico dos grandes centros urbanos.

Quando se discute o problema, a opinião de muitas pessoas sempre está formada, e em tese, as soluções estão sempre à vista. Mas deparar-se com um caso debaixo do próprio nariz, é coisa bem mais chocante e complicada do que um simples formar de teses e opiniões.

Quando cheguei ao hospital, fui junto com as colegas da faculdade, atender a paciente a nós reservada. Nossa orientadora, apresentou-nas e ficamos a testar as limitações daquele quadro neurológico. A paciente em questão era portadora de AVE, popular derrame.

Mas uma enfermaria me chamava a atenção. Estava meio escura e havia ali, um menino a brincar sozinho. Sempre que passávamos, lá estava ele olhando e sorrindo para nós.

Depois de atender a paciente, fui até a enfermaria onde estava aquela criança e começamos a conversar... Perguntei seu nome, idade, e o motivo de sua internação, ao que me respondeu prontamente, demonstrando sagacidade, esperteza e inteligência. E como toda criança tem algo de sedutor (e não estou sendo pedófila), o instinto maternal logo foi acionado.

Me despedi dele e fui conversar com minha orientadora sobre o caso daquele menino. Perguntei se ele estava sem acompanhante na enfermaria, quando ela me respondeu:

- Ele foi abandonado pela família.

Fiquei chocada. Como compreender que uma mãe abandone seu filho aos sete anos de idade? E o motivo era ainda mais torpe: Ela o abandonou porque descobriu que ele, era portador de HIV.

- Certo dia, disse minha orientadora, ele tomou banho sozinho, trocou de roupa, arrumou os cabelos, num estilo arrepiado, porque tinha certeza de que alguém iria buscá-lo.

Ao ouvir essa declaração, não sabia mais o que dizer, nem o que pensar. O país do carnaval, do futebol, do samba, da alegria, é o país do abandono também. E não estou fazendo discurso político ou tomando uma frente social. É indignação mesmo!

Se refletirmos, dentre todo o reino animal, o homem é o único que mata seu semelhante, destrói seu habitat e abandona seus descendentes. E nos consideramos a evolução da espécie!

Não quero tornar o blog um campo de discussões sobre questões sociais. Apenas quis registrar a tristeza, o sentimento de impotência que me invade e, afirmar que sinceramente, não podemos nos acostumar com isso. Não podemos entender como "coisa normal" o abandono de pessoas. Normal é uma criança ter saúde, lar, escola. E não falo de riquezas, de supérfluos... falo de dignidade.


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As vezes uma brisa, as vezes um livro, as vezes uma música, as vezes um sorriso, as vezes uma lágrima, as vezes tudo, as vezes nada e sempre uma contradição.