Ao mestre com carinho


Sempre tive gosto por aprender... O saber liberta o homem das amarras que o prendem e o torna senhor de si. Claro que não sei de tudo. Até o último dia de minha vida, tenho muito a desvendar.
Mas esta fascinação pelo novo, pela descoberta, sempre me leva ao dia em que juntei às letras e li, sozinha a primeira palavra. Parecia uma equação matemática: “érre com é, ré. Dê com é, dé, a palavrinha é rédé. Não foi lá uma leitura perfeita da palavra rede, mas a satisfação da tia Maria Amália ao ver sua pupila lendo, e o fato de saber juntar aquela sopa embaralhada de letras, abriu minha mente infantil, para um mundo novo.
O tempo passou e a cada ano letivo, descobertas, lutas e professores que foram à base deste aprendizado. Recordo de cada um com tanto carinho e zelo, que ao lembrar de cada rosto querido, sinto saudade...
Quando estava no terceiro período da faculdade de Fisioterapia, que ainda estou a cursar, conheci um professor que seria um divisor de águas. Alto, imponente, voz grave, forte, largo, digo, muito largo, na verdade, gordo (ai, desculpa, professor! Perco o amigo, mas a piada...) que passava convicção em tudo o que dizia. Foi antipatia à primeira vista: “Vixe, Maria, esse deve ser o cão”, pensei com os botões do jaleco, meio surrado.
Com o passar dos dias, fui percebendo como aquela criatura tinha paixão pela docência, por ensinar e como recompensa, íamos encontrando luz em suas aulas, como se aquele momento fosse o espetáculo do aprender.
Um dia, despediu-se de nossa turma, porque sua vida corrida não permitia que ele lecionasse a noite. Preparamos uma festa, não porque estávamos felizes, mas porque um grande amigo iria partir. Ouvimos dele declarações emocionadas, onde ele dizia levar em seu coração, tudo o que aprendeu conosco.
A saudade foi ficando e as lembranças deixando esse sentimento ainda mais profundo. Até que nossa turma o convidou para nos dar um curso de fisiologia, no intuito de tirarmos nossas dúvidas e claro, rever o grande amigo. E como um pai, nos deu um presente de mãe, vindo iluminar nossa mente, no sábado que antecedeu o dia delas.
Ele chegou, entrou na sala e foi recebido com muitos sorrisos pelos pupilos. Parecia uma festa! Como naquela sala, havia pessoas que não o conheciam, porque o curso foi aberto para outros períodos, ele apresentou-se: “Bom dia, meu nome é Rogério Bernardo e leciono fisiologia na UFAL”. Findada sua humilde apresentação, iniciou a aula, cujo tema era
introdução a fisiologia e transporte através das membranas.
Mas a cada passo avançado, percebíamos como era fácil aquele assunto que achávamos ser um bicho de sete cabeças. “Entra sódio, sai potássio. Despolarização, repolarização”, dizia, nos fazendo entender como funciona a bomba de sódio e potássio, essencial para a homeostase (equilíbrio) do corpo humano. “Nosso corpo é um circuito elétrico: o cérebro não registra que um pastel foi ingerido. Uma descarga elétrica sinaliza que o sal entrou no organismo.” E continuava: “A bomba de sódio e potássio é linda, não é gente?” E eu não sabia se o mais bonito era a tal da bomba, ou ver a sala inteira aprendendo o que ele ensinava.
Ao terminar aquela aula, que mais representava o espetáculo do saber, nos limitamos apenas a aplaudir o mestre para mostrar o tamanho da nossa gratidão. E exatamente naquele momento, lembrei do dia em que juntei às letras e li sozinha, a primeira palavra. A voz quis embargar, os olhos quiseram lacrimejar, mas só me restou dizer, muito obrigada professor!



*Rogério C. Bernardo é médico urologista, andrologista, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, secção Alagoas, professor de Fisiologia do Curso de Medicina da Universidade Federal de Alagoas – UFAL, atualmente faz doutorado em Bioética, além de um exímio piloto de bisturi. (Os pacientes que o digam).

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