Correspondências



Ela tinha sonhos e expusera todos em uma carta. Ele tinha segredos os quais confessava a amada no papel em branco. E assim, trocavam confidências.
Começaram a se conhecer lentamente. Não se sabe ao certo como tudo começou; sabe-se apenas que um adorava ler o que o outro escrevia.
Falavam amenidades, coisas do cotidiano e a cada carta chegada à amizade entre ambos crescia. Eram cúmplices, leais, nada escondiam nas linhas escritas e muitas vezes mal traçadas tamanha a emoção que os invadia.
Elas, as cartas, chegavam uma vez por semana, tal qual doses homeopáticas a querer mitigar uma saudade sem remédio. O carteiro tornou-se o amigo que levava em suas mãos a emoção daqueles enamorados. O uniforme amarelo e azul sinalizava que a felicidade estava a caminho.
Ela se arrumava, perfumava, penteava para receber em suas mãos a felicidade escrita a pena. Era como se naquele momento fosse abraçar o homem de sua vida.
Ele, com toda elegância, recebia do carteiro, agora amigo, a missiva da amada. Quando abria o envelope, era como se as rosas se abrissem aos seus sentidos. O perfume dela estava ali para concretizar o abstrato amor.
Nunca trocaram fotografias. Não porque se achassem desprovidos de beleza, mas porque não queriam quebrar o encanto de imaginar.
Dizia ela, ter cabelos negros como a noite sem luar, anelados como caracóis e longos até a cintura, véu que consagrou à Santa Rita. Clara feito porcelana tinha boca pequena e rosada, emoldurada pelo contorno bem marcado de seus lábios. Os olhos eram marcantes, expressivos tais como exóticas pérolas negras e reluzentes como a estrela da manhã. Estatura mediana, pés pequenos como fada e mãos macias feito seda.
Ele dizia ter ombros e braços fortes, como a convidá-la ao abraço. Alto como um nobre, pele morena feito cravo, olhos profundos como o Velho Chico. Seus cabelos eram lisos, prontos para o afago, suas mãos eram delgadas e firmes, como a querer conduzi-la por uma estrada de sonhos.
A letra dela era delicada, redonda, extraída de um caderno de caligrafias. A dele era forte e marcava o papel em branco, como se quisesse marcar a alma da amada.
“Adoro-te, com a adoração de Cristo por sua cruz e com a coragem dos mártires nos circos romanos”, dizia ela em uma epístola. “Quem sou para adorar-me? Deixa-me pô-la no altar de minha vida e ofertar-te-ei todas as flores do meu coração. Dar-te-ei meu nome, minha existência. A ti entregarei a proteção de meus braços, o conforto da minha alma. E mesmo que eu não esteja junto de ti, jamais sentirás solidão porque meu amor te cobrirá como um manto cobre solenemente a mais pura de todas as santas.”
Ele era como a terra, firme, fértil, pronta para o arado. Ela era como a chuva fina, calma, leve, doce mensageira do desabrochar das flores...
Já não podiam mais ficar um sem o outro. Então, depois de trocarem inúmeras correspondências, marcaram o primeiro encontro. Ela estava ansiosa. Pôs seu vestido de borboletas e pediu para que elas parassem de voar pelo seu estômago. Ele tinha nas mãos suadas e trêmulas a prova da emoção que invadia seu coração. Finalmente viram-se pela primeira vez. Aproximaram-se e como um passe de mágica, um olhar estava dentro de outro olhar... Então abraçaram-se silenciando todas as palavras num beijo que tinha sabor de saudade.

2 comentários:

Anônimo 30 de abril de 2010 às 23:47  

Sao textos que lembram epocas das quais jamais queremos esquecer. A sensibilidade da autora do blog eh emocionante. Sou seu fa de longas datas.
Beijos
Pooh.

Anônimo 17 de maio de 2010 às 19:26  

o encanto na escrita faz tocante cada momento vivido dentro de uma verdadeira paixão... uma overdose de sentimentos que afloram num arrebatamento de emoções ja vividas, porém gravada alma de forma insquecivel

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As vezes uma brisa, as vezes um livro, as vezes uma música, as vezes um sorriso, as vezes uma lágrima, as vezes tudo, as vezes nada e sempre uma contradição.